Esse texto vai ser longo.
Um dia, há algum tempo, resolvi fazer um exercício. Anotei e fui
somando tudo que já gastei com a intenção de perder peso. Eu nunca fui
uma pessoa realmente empenhada em dietas e outras bruxarias, mas como
mulher desde cedo me disseram que eu tinha que ser magra e então botei
meu suado dinheiro em diversos tratamentos, comidas, remédios e outras
estratégias para deixar de ser gorda.
Já pensou em fazer isso? Vá somando: os remédios, as consultas,
aquele monte de comprimido manipulado que custou um absurdo, as
mensalidades na academia – que você não queria frequentar, mas que tem
aquela aula que promete queimar as calorias da bunda -, o tratamento
natureba, a erva milagrosa, o salmão que vai servir de base para uma
refeição “nutritiva e com poucas calorias”, o equipamento fantástico que
equivale a não sei quantas horas de exercício, o creme que faz as
estrias e a celulite desaparecem…
Note as reticências no fim da lista. É porque ela não acaba, né?
Pois bem, cheguei num número. Não vou colocá-lo aqui, mas digo o
seguinte: é o suficiente para ter uma poupança (e um pouco de
tranquilidade nesses tempos de crise), para ter feito aquela viagem que
sempre quis fazer para a Itália, talvez significasse menos dívida no
financiamento da minha casa ou poder fazer aquele curso que quero tanto.
E olha que nem coloquei nesse total aí quanto os meus pais gastaram
com isso. Porque esse empenho para me fazer ser magra começou cedo,
quando ficou claro que minhas coxas eram grossas, meus peitos eram
grandes. Acho que não tinha nem 12 anos quando fui parar num consultório
médico para “perder peso”.
Vejam bem, eu não era uma criança extremamente gorda. Não. Eu só não
era magra. Ganhei bunda e peitos cedo, muito antes da minha primeira
menstruação. Não era sedentária. Praticava esportes, andava de
bicicleta, corria muito. Aliás, sempre gostei de me mexer. Sabe aquela
sensação gostosa quando você está correndo muito rápido e parece que
nada vai te parar? Eu adorava isso.
O que havia de errado comigo? Eu não tinha o corpo que, me diziam,
era melhor que o meu. Lembro até hoje do dia em que alguém da família
apontou para a dobrinha que tenho entre o braço e o peito e disse que
aquilo era feio.
Não me entendam mal. Não estou falando daquele excesso de peso que é
realmente ruim, porque impede as pessoas de serem saudáveis, de fazerem
coisas. Mas não é disso que estou falando. Estou falando de não ter as
medidas perfeitas. De ser um pouco maior. De não mostrar os ossos, de
ser “fofinha”.
Pois bem, feito o exercício de continhas para descobrir quanto gastei
para ser magra, resolvi continuar na lida e somei outra coisa: quanto
tempo já gastei nisso. Pare para pensar: as horas na academia, na
cozinha fazendo pratos com poucas calorias, no mercado analisando qual
produto é mais light…
Já fez essa conta?
Agora pense comigo: qual foi a última vez que você foi almoçar/jantar com as amigas e o papo não foi sobre dieta?
Outro dia eu me peguei numa dessa. Tava num restaurante com duas
amigas. Duas mulheres bem-sucedidas, inteligentes, interessantes e pá:
de repente a gente estava falando sobre a dieta X que fez não sei quem
perder tantos quilos e como uma de nós estava frustrada porque queria
perder Y, mas perdeu menos.
Esse papo é onipresente, né? Alguém pede sobremesa e pronto: uma diz
que não vai comer nada doce porque já estourou os pontos do dia. A outra
pede, mas gasta um tempo justificando: a semana tá ruim, tá de TPM etc
etc.
Daí você engravida. Qual é a conversa que você mais ouve? Acertou!
Posso contar nos dedos os papos que tive sobre o parto. Mas nem um dia
se passou nos sete meses em que as pessoas sabiam que eu estava grávida
sem que alguém: me sugerisse uma dieta, me perguntasse quantos quilos eu
já tinha ganho, me alertasse para não engordar demais, criticasse algo
que eu estivesse comendo.
Estou exagerando? Olha, é só dar uma passadinha nos sites sobre
maternidade/filhos e fazer uma pesquisa. Certeza que a maioria das
“matérias” é sobre não engordar durante a gravidez, perder peso depois
do parto, não tornar o seu filho obeso e voltar a fazer sexo com o
marido (um dia ainda escrevo sobre isso).
Mas o que quero dizer com tudo isso?
Tempo é um recurso finito. Entende? Sério. Leia de novo: tempo é um recurso finito.
Agora reflita por um instante. Sacou?
Sabe aquela menina com seus 15/16 anos que está começando a dar os
primeiros passos para ser alguém no mundo? Que percebe que gosta de
ciência, que curte programar, que lê muito?
Sabe o que custa ser boa em matemática? O que custa passar no vestibular de medicina? Ser fluente num idioma?
Custa tempo. Sim, custa dinheiro também. Mas custa principalmente
tempo. Não adianta pagar a melhor escola de inglês, comprar os livros
mais caros, ter professor particular se você não investe o seu tempo.
Tempo para errar, para se frustar, para arriscar e, no fim, para conseguir.
Só que aquela guria de 15/16 anos não vai ter que gastar tempo só com
o estudo, né? Não, ela tem que fazer aula de body whatever, sessões de
tratamento para celulite, gastar meia hora por dia passando creme e
contando pontos da dieta.
Tempo é um recurso finito. Cada dia tem uma quantidade fixa de
minutos e se você gastou contando calorias, não vai ter esses minutos
para ler Shakespeare, estudar geometria analítica ou que seja.
Já sei o que você está pensando: mas eu sempre dei conta de tudo isso. Provavelmente é verdade. A gente dá conta, né?
Só que não é bem assim. Tem uma hora que esse tempo faz falta. Sabe o
que separa um pianista mediano de um gênio? Você vai dizer: talento.
Tá, sim, tem o talento. Mas vamos considerar duas pessoas igualmente
talentosas. O que faz uma atingir seu potencial e a outra não? Tempo.
Qual o custo de “dar conta” das coisas?
Tá, mas tem algo ainda pior nessa história. Algo que tem a ver com
tempo, mas também com a nossa percepção do que é importante. Para falar
nisso, deixa eu contar uma historinha:
Há pouco mais de um ano eu decidi fazer um aplicativo. Eu, mãe de
então um bebê de um ano e meio, jornalista, professora universitária que
trabalha pelo menos 40 horas por semana, mulher, dona de casa etc fui
aprender a programar para celular.
De lá para cá criei aplicativos para iOS e Android, montei uma
empresa, ganhei e perdi sócios, vi minha ideia não dar certo e apostei
em outros projetos. Nesse tempo todo sabe quantas pessoas (com exceção
do meu marido e de quem trabalhou ou trabalha comigo) se interessaram
pelos meus projetos? Nenhuma.
Quase um ano depois de ter começado essa história um amigo, ao saber
do aplicativo, me perguntou: como é que eu não sabia disso? Simples, ele
nunca tinha me perguntado nada sobre o que eu faço. Você vai pensar:
ah, é alguém que não é tão próximo. Bem, olha só, essa é uma pessoa que
não sabe dos meus projetos, mas sabe quantos quilos emagreci há alguns
anos, quando perdi bastante peso.
Não estou falando: “ah, coitadinha de mim”. Não. Isso aqui é sobre o
que é importante. Importante para nós e importante para os outros.
Lembra das amigas no almoço? Pois bem, o que é importante? O fato
delas terem projetos bacanas para fazer? Ou a dieta que não deu certo?
No entanto, sobre o que conversamos? Com o quê gastamos tempo? Um tempo
escasso que raramento podemos usar ouvindo as pessoas com quem nos
importamos.
Eu gasto uma parte importante dos meus dias falando sobre o trabalho
do meu marido, sobre o meu filho, sobre amigos meus. Falo porque o que
eles fazem é importante, porque o que eles fazem muda o mundo. Há quem
vá dizer que posso me sentir chateada por ser chamada a falar tanto
sobre eles, ou com inveja. Essas pessoas não têm a menor ideia do que é
um casamento.
Entendem o problema?
O trabalho de um é importante. Mas o da mulher, não. O peso que ela ganha ou perde é mais.
Tem outra coisa sacana a respeito disso. Fazer dieta é um projeto
destinado ao fracasso. Verdade. É o crime perfeito. A pessoa te vende um
tratamento/remédio/sei lá o que para emagrecer e que promete milagres.
Não estou falando de algo que te ajudará a eliminar um, dois quilos.
Não. As promessas são sempre na casa das dezenas.
Claro que nunca dá certo. E de quem é a culpa? Ah, você não leu as
letrinhas pequenas, né? Você tinha que ter mantido uma dieta balanceada
enquanto usava o produto e fazer exercícios regularmente. E também
verificar se não havia nenhum problema de saúde que poderia prejudicar a
perda de peso (olha as prioridades: Não se trata de pensar no problema
de saúde, mas se ele te impede de perder peso).
Além do dinheiro e do tempo, o que mais você perdeu com isso? A
segurança. Porque fazer dieta é embarcar numa experiência que vai fazer
você se sentir fracassada o tempo todo. Seja porque não conseguiu
emagrecer, ou emagreceu, mas não atingiu a meta (e a gente sempre define
metas irreais, né?), ou outra pessoa que fez o mesmo tratamento
emagreceu muito mais ou você recuperou uma parte do peso.
Então, de repente, o caso é que você é uma mulher adulta, com
educação superior, que é mãe, que cuida da casa, que paga as próprias
contas, que é talentosa, que cria os filhos. Mas que se sente um
fracasso. Não porque seu projeto profissional, de repente, não deu
certo. Ou seu filho chama a babá de mãe. Mas porque você não emagreceu.
O que é importante? O que é realmente importante?
Por que importante é aquilo que ocupa o nosso tempo. Não é mesmo?
Será que não é injusto que nós mulheres tenhamos que investir tanto
na aparência? Por que é que não podemos decidir simplesmente que isso
não é importante?
Pensei nisso quando li no El País um texto sobre a pesquisadora Mary
Beard e as críticas que ela recebeu por sua aparência. Ela é uma
daquelas mulheres que não pintam o cabelo para esconder a ação
inevitável do tempo. É uma escolha. Não se trata de condenar quem pinta
as madeixas, mas sim de alguém que não quer fazer isso.
Mas será que é mesmo uma escolha? Porque, no fim, o que é importante a
respeito da Mary Beard? O que ela pensa ou a aparência dela? No
entanto, foi por causa dessa aparência que li sobre ela no El País.
Foi quando percebi isso que deixei de fazer dietas e de tentar ser
magra. Porque isso simplesmente não é importante para mim, muito embora
continua a ser para os outros. Foi na mesma época em que decidi que
quero ser mestre do meu próprio tempo.
Coisa de louco, né? Eu quero ser mestre do meu próprio tempo.
Normalmente quando falo as pessoas entendem que quero ser empreendedora.
Verdade, se por empreendedor se entende alguém que cria as próprias
oportunidades.
Mas ser mestre do próprio tempo é mais do que isso. É não ser tragado
pelos falsos problemas que inventam para nós. Perder peso é só um deles
(mas nos toma um tempão, não é).
Já parou para pensar quantos problemas imaginários inventam para nós
depois que viramos mães? Pô, de repente você tem que pensar em tags para
docinhos (oi?), roupa mãe e filho, ensaio fotográfico caríssimo com o
bebê destruindo um bolo igualmente dispendioso.
Para que tags em docinhos? Docinhos que vão custar um dinheirão e
serão destruídos pelas criançada da mesma forma que o brigadeiro da
padaria seria.
A tradição das mulheres de sofrerem com problemas imaginários começa
cedo, já na maternidade, quando a mãe pega a menina recém nascida, que
mal se recuperou o trauma do nascimento e tasca um brinco na orelha
dela. Um brinco que pode, um dia, ir parar na boca da criança e virar um
risco para a segurança dela. Ou ser perdido.
Brinco para quê? Para saberem que ela é menina? Como se alguém não
fosse notar a tonelada de acessórios cor de rosa, a presilha no cabelo e
os cristais na chupeta personalizada (todas essas coisas que
representam um perigo para o bebê, mas que a menina TEM que ter).
Por que é que a gente não para e pensa no que é REALMENTE importante? Sério, o que é importante?
É perder peso? Não, é se alimentar bem, ter boa saúde, hábitos
saudáveis. Não beber ou comer demais. Não usar substâncias que coloquem
sua saúde em risco.
É malhar para ter o corpo perfeito para o verão? Ou é se sentir bem
como somos. E fazer atividades que nos dão prazer, aliviam o estresse?
É correr para colocar brinco no bebê assim que ele nasce? Ou garantir
que mãe e bebê descansem, tenham tempo para se conhecer, para aprender a
mamar e para se recuperar do parto?
O que é importante? Como eu me visto? Que peso eu tenho? Se uso
maquiagem? Ou o que faço de bom para minha comunidade, minha família e o
mundo?
E só nós mulheres, ao invés de “dar conta” das coisas pudéssemos
investir nosso tempo nos nossos talentos? Já imaginou quanta coisa boa
sairia daí? Quanta gente ia deixar de se sentir mal a respeito de si
mesma? Iria sorrir mais para a vida. Ter coragem para fazer algo
fantástico?
Já imaginou? Pode ser incrível. Vamos tentar?
Link da matéria - http://www.bemparana.com.br/maesdobem/vamos-parar-de-fazer-dieta/
Um comentário:
Texto perfeito, amiga.... o duro é " entrar " na minha mente !!!!
Mas, vamos tentando, né Lu?
Beijão
Helena
www.diaadiacorridinho.com.br
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